22 fevereiro 2009

Desertos universais


Era como se não houvesse nomes, aqui, como se não houvesse palavras. O deserto lavava tudo no seu vento, apagava tudo. Os homens tinham a liberdade do espaço no olhar, a sua pele era igual ao metal. A luz do Sol esplendia em todo o lado. A areia ocre, amarela, cinzenta, branca, a areia leve deslizava, mostrava o vento. Cobria todos os vestígios, todos os ossos. Repelia a luz, expulsava a água, a vida, longe de um centro que ninguém podia reconhecer. Os homens bem sabiam que o deserto não os queria para nada: por isso caminhavam sem parar, pelos caminhos que outros pés já haviam percorrido, para encontrar outra coisa. A água, essa, estava nos aiun, os olhos, cor de céu, ou então nos leitos húmidos dos velhos riachos de lama. Mas não era água para o prazer ou para o repouso. Era quando muito um vestígio de suor à flor do deserto, o dom parcimonioso de um Deus seco, o último movimento da vida. Água pesada arrancada à areia, água morta das fendas, água alcalina que provocava cólicas, que fazia vomitar. Era preciso ir mais longe, um pouco curvado para a frente, na direcção que tinha sido apontada pelas estrelas.
Mas era o único, talvez o último país livre onde as leis dos homens já não tinham importância. Um país para as pedras e para o vento e também para os escorpiões e os gerbos, que sabem fugir e esconder-se quando o sol queima e a noite gela.

J. M. G. Le Clézio, Deserto

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