2
Agora estás longe
e nós nem sempre conseguimos sentir a tua falta
não ouço a tua voz colada às paredes da minha memória
não espero ver-te chegar ao cair da noite
já não temos tempo para recuar
inventar as conversas que não tivemos
pedir-te um abraço
quando eu tinha seis anos e medo de morrer a dormir
já não há a inocência de acreditar
que um dia vais mudar
afastar os silêncios e sorrir
ou simplesmente
perguntar-me como foi o dia
já não há lagrimas para chorar
no escuro do meu quarto
no escuro do meu corpo
não há mágoa para guardar no peito
agora estás longe
e eu não espero o teu regresso
20 maio 2008
19 maio 2008
Sempre que regressavas
ao meu pai
1
Sempre que regressavas
a casa enchia-se de um silêncio espesso
e os nossos passos ecoavam nos corredores
como se procurassemos não tocar no chão
olhavamos a mesa posta para o jantar
a porta que ficava sempre aberta
as luzes deixadas acesas
a roupa espalhada no quarto
nunca tinhas um gesto ou uma palavra
nunca te lembravas como se sorri
ou como se constrói um mundo de sonhos na juventude
eu não sabia como medir a distância entre nós
nem como atravessar esse espaço negro
cheio de ausências e coisas por dizer
por isso sempre que regressavas
deixávamos o silêncio cair sobre a casa
e eu fechava-me no fundo de mim própria
para não ver
quanto de ti passava por trás dos meus olhos
Rios sempre iguais
Amanhece devagar
sobe-nos à boca o sabor do medo
da inquietude de perder detalhes
minerais brilhantes nos recantos da memória
sombras atravessam as paredes e os corpos
demoram-se sobre a pele
deixam gravada a sua presença
depois há a fuga para norte
(ou para a noite)
para dias mais frios gestos mais ternos que nos embalam na escuridão
abandonamos as cidades da nossa juventude
deixamos os segredos nos jardins
vestígios de loucura
e regressamos por rios sempre iguais
sobe-nos à boca o sabor do medo
da inquietude de perder detalhes
minerais brilhantes nos recantos da memória
sombras atravessam as paredes e os corpos
demoram-se sobre a pele
deixam gravada a sua presença
depois há a fuga para norte
(ou para a noite)
para dias mais frios gestos mais ternos que nos embalam na escuridão
abandonamos as cidades da nossa juventude
deixamos os segredos nos jardins
vestígios de loucura
e regressamos por rios sempre iguais
14 maio 2008
Segredos
Voltas atrás
recordas minuciosamente cada gesto
a lucidez e o relógio parado
o vento a estilhaçar vozes na rua
recordas o silêncio e o medo da morte
as mãos trémulas e o sangue
o tempo que não tiveste para crescer
depois disso amaste
odiaste o mundo fumaste sofregamente
não houve lágrimas que te redimissem
e levassem os ruídos da noite
que sempre te assustaram
não houve presente que te tirasse
a dor de nem o teres conhecido
recordas minuciosamente cada gesto
a lucidez e o relógio parado
o vento a estilhaçar vozes na rua
recordas o silêncio e o medo da morte
as mãos trémulas e o sangue
o tempo que não tiveste para crescer
depois disso amaste
odiaste o mundo fumaste sofregamente
não houve lágrimas que te redimissem
e levassem os ruídos da noite
que sempre te assustaram
não houve presente que te tirasse
a dor de nem o teres conhecido
12 maio 2008
Em certos dias a loucura...
Escrevo-te porque não tenho palavras
Escrevo-te porque te perco na distância deste silêncio
no cansaço do sonho que nos atraiçoa
escrevo-te a lápis para te ter mais perto
para te tocar na suavidade da página
sentir a tua pele estremecer sob os meus dedos
quando nada mais me pode salvar
escrevo-te sem esperanças nem impérios
sem areais ao anoitecer
sem cidades escuras onde fomos felizes
escrevo-te na vastidão desta insónia
murmúrios no lento passar das horas
dias em que julgo que a loucura se aproxima
Escrevo-te porque te perco na distância deste silêncio
no cansaço do sonho que nos atraiçoa
escrevo-te a lápis para te ter mais perto
para te tocar na suavidade da página
sentir a tua pele estremecer sob os meus dedos
quando nada mais me pode salvar
escrevo-te sem esperanças nem impérios
sem areais ao anoitecer
sem cidades escuras onde fomos felizes
escrevo-te na vastidão desta insónia
murmúrios no lento passar das horas
dias em que julgo que a loucura se aproxima
08 maio 2008
Silêncios
Oiço a tua voz nas entrelinhas do poema
mesmo quando a ausência nos consome
as imagens repetem-se sempre iguais
esperar por um autocarro fumar um cigarro
patir para o destino que já não reconheço
quando aqui cheguei não tinha palavras
nem madrugadas
só o silêncio vago da solidão
tu deste-me todas as tuas palavras
permitiste-me usá-las
e construir com elas o nosso futuro
hoje sei que vive entre nós a distância deste abandono
a arte de apaziguar as sombras que nos acompanham
e atravessar cada dia com uma serena esperança no amanhã
mesmo quando a ausência nos consome
as imagens repetem-se sempre iguais
esperar por um autocarro fumar um cigarro
patir para o destino que já não reconheço
quando aqui cheguei não tinha palavras
nem madrugadas
só o silêncio vago da solidão
tu deste-me todas as tuas palavras
permitiste-me usá-las
e construir com elas o nosso futuro
hoje sei que vive entre nós a distância deste abandono
a arte de apaziguar as sombras que nos acompanham
e atravessar cada dia com uma serena esperança no amanhã
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